top of page

A árvore dos grous - texto didatizado

  • caminhosdecidadani
  • Sep 24
  • 3 min read

Updated: Sep 29

Memórias de Natal


História de Natal para jovens, tradição japonesa, culturas.


Quando ainda não era suficientemente crescido para usar calças, a minha mãe tinha sempre medo de que eu me afogasse no lago que ficava à beira de casa. Estava constantemente a dizer-me que não fosse brincar para lá, mas eu não fazia caso, porque nele havia peixes de cores deslumbrantes. 

A última vez que fui para o lago era um dia triste de Inverno, demasiado frio para os peixes se mostrarem. Nunca saíram de baixo das pedras e o que eu arranjei foi uma grande constipação. A minha mãe ia, de certeza, ficar zangada comigo e adivinhar logo como é que eu tinha molhado as luvas. Mas talvez ficasse contente por me ver.

— Mãe, já cheguei — gritei eu.

Não houve resposta.

Costumava vir sempre à porta receber-me. Voltei a chamar, e por fim respondeu. A voz parecia vir de muito longe. Ouviu-me, mas não veio ter comigo. Deve estar doente, pensei. Encontrei-a na sala a fazer dobragens em papel. Limitou-se a menear a cabeça, mal olhando para mim. Mas havia à minha espera duas fatias do meu bolo preferido, o que me reconfortou um pouco.

— Porque estás a fazer grous de papel? — perguntei eu.

— Porque quero realizar um grande desejo — respondeu, sem levantar os olhos.

— Vais dobrar mil pássaros para o teu desejo se realizar?

— Nem que seja dois mil… — estendeu os braços e passou-me a mão fria pelo rosto. — Tens a cara a arder!

Franziu o sobrolho e olhou para mim em silêncio. Baixei a cabeça e não me atrevi a falar. Ela sabia… Sempre que a minha mãe achava que eu estava constipado, dava-me um banho quente.

— Dez minutos, nem menos um segundo — disse ela. 

E nem as costas me limpou. Ouvi os chinelos a afastarem-se ao longo do corredor. Depois fechou-se uma porta. Não regressou para me fazer companhia. É melhor pedir desculpa, disse eu, a pensar em mim. Mas antes que pudesse dizer que estava arrependido, a minha mãe pôs-me em pijama!

— Não tenho vontade de ir para a cama.

— Tens de ficar muito agasalhado e quente.

(...) Após um longo momento, ouvi um ruído vindo do jardim. Talvez o velho jardineiro tivesse vindo podar mais uma vez as nossas árvores. Levantei-me e abri a janela. Lá fora, nevava. E a minha mãe cavava em redor de uma pequena árvore.

— O que estás a fazer? — gritei eu.

Ela parou e olhou para mim.

— Fecha imediatamente essa janela e volta para a cama!

(...) Começava a adormecer quando ela entrou. Trazia uma árvore num vaso azul. Era o pinheirinho que os meus pais tinham plantado quando nasci, para que eu vivesse muitos anos, tal como a árvore.

— O que estás a fazer com a minha árvore? — perguntei eu.

— Já vais ver — respondeu ela, ao colocar o vaso no chão. — Sabes que dia é hoje?

— Hum... Falta uma semana para a passagem de Ano. 

— Exatamente — disse a sorrir! 

Depois, foi à sala buscar os grous prateados e alguns apetrechos de costura. 

Por fim, sentou-se. Passou um fio por um dos pássaros e pendurou-o na árvore.

— Hoje portei-me o dia todo de uma forma um tanto esquisita — disse ela.

Eu ia começar a falar, mas interrompeu-me.

— Se prometeres ficar na cama, digo-te porquê.

— Prometo — disse eu.

— Como sabes, muito antes de vir para aqui, onde encontrei o teu pai, nasci e vivi num país muito distante.

Acenei que sim com a cabeça.

— Na Califórnia — respondi.

— Lá, hoje não é um dia como os outros. Se estivesses na Califórnia, verias, por todo o lado, árvores como esta, enfeitadas com luzes cintilantes e bolinhas de ouro e prata. E debaixo de cada árvore presentes que as pessoas oferecem aos amigos e àqueles que amam.

— Eu gostaria de ter um papagaio samurai — disse eu.

— Damos e recebemos, filho. É um dia de amor e de paz. Os desconhecidos sorriem uns para os outros. Os inimigos fazem uma trégua. Precisamos de mais dias como este!

E pendurou na árvore o último pássaro.

— Que lindo! — gritei eu.

— Ainda não é tudo — disse. 

E foi à cozinha buscar velas, que prendeu aos ramos.

— Vais queimar a minha árvore? — perguntei eu. 

A minha mãe riu-se.

— Só as velas, e apenas por um instante. (...)

E quando acabámos de acender as velas, ela ficou em silêncio.

Estava a recordar. (...)


Allen Say



Uma história que explora o poder das tradições familiares, do amor e da celebração, transmitindo a mensagem de que a conexão entre as gerações e os momentos especiais podem criar memórias que duram a vida toda.







 
 
 

Comments


Caminhos de Cidadania

©2025 by Caminhos de Cidadania. Proudly created with Wix.com

bottom of page